quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Gauchinho Medonho

Curitiba, 22 de novembro. Maratona e eu estávamos lá. Lá pela décima terceira vez. São quarenta e dois quilômetros onde as subidas e descidas constantes parecem deixar o percurso mais longo. O acúmulo das últimas provas em curto espaço de tempo aliado ao forte calor da época do ano, fez-me programar algumas caminhadas. A primeira foi no km 18, posto de abastecimento.
Caminhar para refletir. Refletir com Maratona. Reflexão sobre maratona. Reflexão sobre Curitiba, cidade ecológica.
Quem é ecológico é amigo. É amigo da Natureza. É amigo do outro. Do semelhante. A maratona ecológica. A maratona da amizade.
Amizade traduzida em Cíntia, Renato e sua família. São treze anos de apoio incontido, de torcida exacerbada. De idas e vindas ao aeroporto e ao local de largada e chegada. São treze anos onde o fim de semana torna-se ecológico. Torna-se maratônico. Torna-se amigo.
Depois de muito sol, calor, chuva forte e caminhadas, entrei no florido funil e cruzei a linha de chegada em 5 horas e 14 minutos.
Mais tarde, recebo o abraço carinhoso de Vó Glória, fiel torcedora, com as seguintes palavras: Gauchinho medonho!
À Maria da Glória Padilha, lúcida nos seus 96 anos bem vividos, sintetizo o meu obrigado, a minha ecologia, a minha amizade.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Do Corpo à Alma

O sol escaldante de 31 de outubro em Melo, capital departamental de Cerro Largo, norte do Uruguai, e as previsões meteorológicas anunciavam o drama do dia seguinte.
Às 7 horas do dia 1 de novembro, 43 atletas partiram de Aceguá, fronteira com Brasil, a percorrer os 60 km que separam até Melo. Era o desafio da 2a Ultramaratona “El Hombre de Hierro”.
Maratona e eu estávamos lá. Os dois meio desenfocados. Ultra não é para o corpo. Ultra não é para nós. Não é traição, nem bigamia. Ultra insere-se em outro nível: o dos poderes da mente.
A paisagem era tão tranqüila quanto o pastar dos bovinos na pampa uruguaia. O sol ia aos poucos castigando nossos corpos. No quilômetro 30, confabulâmo-nos. E desistimos. O resto é com o espírito.
Apareceu um carro preto, um Citroën de placas IPO 6883. Alguma coisa fazia-me segui-lo. Às vezes, oferecia-me água, outras vezes carbogel. Mas, estes ingredientes são para o corpo. E este, já havia encerrado suas atividades.
Algumas colinas leves apareciam. A estrada se perdia no infinito. O calor aumentava. Não importava. O carro preto estava à frente.
Uma placa superior chegou indicando a entrada na cidade de Melo. Faltavam uns dois quilômetros. O carro preto deu-me uma bandeira brasileira e se foi como que dizendo: “representa bem teu país”. A partir daí, fiquei sendo escoltado por um caminhão da organização da prova. O ritmo aumentou consideravelmente. Como um imã, a chegada me atraía. Os aplausos uruguaios eram cada vez mais fortes. O auto-falante registrava o término em 7 horas e 15 minutos.
Desta vez, não foi Chicomaratona quem correu. Foi seu espírito, Francisco Alberto Rheingantz Silveira. E do carro preto saía sua alma gêmea. À Maria Rejane Silveira da Silveira, todo meu agradecimento por sua dedicação. Minha ultra paixão!

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Tributo à La Negra

Buenos Aires, 11 de outubro, depois de um temporal noturno, uma fina chuva acordava a cidade. Uma cidade em dicotomia. Uns discutindo a capacidade de Maradona dirigir a seleção nacional. Outros, ainda consternados com a morte de Mercedes.
Eram dez mil pessoas amontoadas esperando a largada para Maratón Internacional de Buenos Aires, impecavelmente organizada pelo Gobierno de La Ciudad e Fundación Ñandú com patrocínio de Adidas.
Havia convidado Maratona a bailar um tango nesta data. Ela não recusou o convite. Mas, o momento não era propício para danças tão sensuais. Limitamo-nos a sair a passo lento, sem floreios e com discernimento. Meu filho Rafael, que namora uma “chica” de 21 km, acompanhou-nos.
A conversa entre pai e filho rolou do Palermo, passando pela Recoleta e foi até o km 8. Ali, uma breve despedida e desejos de boa sorte em seus respectivos caminhos. Um pouco antes, um casal dançava um tango. Maratona virou a cara. Alguma coisa a incomodava.
Entramos na Rua 25 de Maio, dia que comemora a Revolução de Maio de 1810, e dobramos na Tucumán. Logo a seguir, o km 10 e o indispensável apoio familiar. Maratona cada vez mais quieta e inquieta. Seguimos nesta rua até a esquina da Avenida 9 de Julho, dia da Independência. Maratona me cutuca. Mercedes Sosa nasceu em Tucumán, cidade ao norte do país, no dia 9 de julho. A emoção, que nasce na alma vai ao cérebro e se espalha pelo corpo, tomou conta de mim. Uma esquina despercebida, ainda misteriosa. Por certo num futuro famosa.
A partir dali, Maratona e eu começamos a render nossas homenagens à diva do folclore latino americano. Sentíamos sua voz grave e forte ecoando naquele domingo na larga e principal avenida da capital portenha. Até o Obelisco parecia tremer.
Entramos à esquerda na Avenida Corrientes e para que não dançássemos a media luz, dobramos antes do número 348. Chegamos à Plaza de Maio, onde as Madres não estavam. Talvez em respeito à grande madre cantora.
Demos Gracias a La Vida na Avenida Paseo Colón no km 14. Fomos a La Boca. Lá, Si Se Calla El Cantor ao invés de Caminito. Entramos na ilha. Já era o km 21 e o relógio oficial marcava 2:17:11. Da minha cabeça o som de Dale Alegria a Mi Corazon embalava minhas pernas.
O Porto Madero chegou ao km 28. Muitos já caminhavam. Lembrei-me de Canción Con Todos, e a pergunta de sempre: o que nos leva todos reunidos a estarmos ali, exauridos?
Na Avenida Comodoro Py, o km 30. Maratona recordava Hermano Dame Tu Mano. Eu, Solo Le Pido a Dios, que todos terminem bem. E fomos no Inconciente Colectivo até o lago em Palermo. Era o km 39.
Fiz os últimos metros com a bandeira brasileira tremulando. Senti-me como representante de nosso país neste tributo silencioso de quatro horas e quarenta e quatro minutos à LA NEGRA.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

O Reatamento

Punta Del Este, a encantadora praia uruguaia. Feriadão de sete de setembro. Um fim de semana perfeito. Perfeito para reatar. Atar de novo. Continuar o que se tinha interrompido.
Lá estávamos, maratona e eu. Eram oito e vinte da manhã de 6 de setembro quando a contagem regressiva chegava ao número zero. Fora dada largada para 2a Maratona de Punta Del Este. Que, apesar de jovem, incorporou o charme da cidade, com sua arquitetura famosa, seus telhados de santa fé, seus terrenos sem muros e a tradicional hospitalidade do povo uruguaio.
Partimos abraçados. Devagar, contando os passos. Quietos, ainda ressentidos dos momentos anteriores. Eu, muito arrependido e já me considerando perdoado. Ela na espectativa do porvir. Mas, traição não se resolve assim com um simples entre laço ou aperto de mão.
A paisagem cada vez mais se deslumbrava aos nossos olhos. As maravilhosas casas no mais autêntico estilo inglês e californiano desfilavam a nosso lado. Os impecáveis jardins transpiravam odores. O sistema aeróbio agradecia. Até uma zona rural apareceu. E nós, ainda quietos, abraçados. A ponte em estilo senoidal apareceu no quilômetro quatorze. Quebramos o silêncio. Eu reclamei do sobe e desce. Ela não gostou. Afastou-se de mim. Foi para o meio fio oposto. Um momento de tensão.
As dunas, a praia, o mar e o sol apareceram a partir do quilômetro quinze. Era o clima ideal. Chegamos a trocar olhares quase apaixonados. Porém, o tapete e o relógio eletrônico na marca da meia desviaram nossa atenção: 2 horas e 10 minutos havia se passado. E, entre nós, quase nada. Tive que parar para aquelas necessidades fisiológicas. Nada de mais. Sempre acontece. Acho que ela não aprovou. Ficou séria. Calada. Quando elas se calam, nunca se sabe o que virá pela frente. Dito e feito. Veio com tudo. Era o quilômetro vinte e cinco, penso eu. Não vi bem. A paulada foi feia. Bem na minha artrose. Lesão que cultivo desde jovem, na época que era metido a futebolista. Poderia ter sido noutro lugar. Mas, ela me conhece muito bem. A vingança foi bem articulada. Nestas horas é melhor não dizer nada. Fiquei esperando o tempo passar. Sabia que no quilômetro vinte e oito teria o apoio da família, independentemente de seu consentimento.
Passamos pelo famoso cassino, lá onde alguns têm breves momentos de prazer. E o nosso era de dor. Mas, a dor de amor se resolve. Devagar. Com jeito. De mansinho. Foi o que fiz. Fui, aos poucos, com uma leve conversa ao pé do ouvido, trazendo-a para meu lado. No quilômetro quarenta estávamos novamente apaixonados. Parecíamos um jovem casal. A emoção era tanta que esqueci pegar a bandeira brasileira para homenagear a pátria na hora da chegada. Depois de 4 horas e 54 minutos muito conturbados, reatamos nosso enlace. Para finalizar, convidei-a para dançar um tango em Buenos Aires dia 11 de outubro.

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Espírito Maratonista

Do andar ao correr
Apenas o início
Do sofrer ao prazer
Logo virou vício

A distância aumenta
Fidípedes alerta
O corpo experimenta
Maratona na certa

Tudo é controlado
Comida, sono, o social
Família às vezes ao lado
No apoio emocional

Árduo treinamento
Trabalho não concilia
É um sofrimento
A espera do grande dia

O tiro foi dado
Pernas, músculos em ação
Tudo sincronizado
Nas batidas do coração

Amizades se entrelaçam
Ao longo do trotear
Os quilômetros passam
A maratona a congregar

Nos trinta o corpo reclama
A dor ensina a gemer
A mente conclama
Chegar é mais que poder

Ao cruzar a linha
A verdadeira conquista
De longa data vinha
O espírito maratonista

domingo, 30 de agosto de 2009

Amor Eterno

A vida de um homem é uma equação onde balança seus amores e dissabores.
Até os trinta anos só acumulei dissabores. Não sou pessimista. Não vou revelá-los. Já os eliminei de minha memória RAM.
E os amores?
Ah, os amores foram chegando de mansinho como um forró nordestino, desprentecioso. Amei todas, as pequenas, as magras, as mais cheias, as mais novas, as difíceis, as fáceis e aquelas com quem todos iam.
Aos trinta e cinco anos, já maduro, pensava. Resolvi casar. Não escolhi as anteriores. Achei que o relacionamento deveria ser mais duradouro. Optei por uma mais velha. Encorpada. Os amigos mais próximos alertaram-me: não é pra ti. Ela tem experiência. Já derrubou vários de nós.
Quando a paixão entorta a cabeça de um homem, somente outra ou o tempo para desentortá-la.
A lua-de-mel não foi fácil. Nas primeiras semanas, quase desisti. Talvez não fosse o momento. Talvez não fosse para mim. Passou um ano, e, confesso aqui, voltei para gandaia. Aos fins de semana saía com as outras. Às vezes, uma no sábado e outra no domingo.
Ela sabia que eu a traía sempre. Todas sabem. Apenas fecham o cérebro. Não há vestígios que a alma feminina não desvende.
Aos cinqüenta anos, depois de quinze de casamento conturbado, resolvi revelar o meu passado, pedir desculpas e jurar amor eterno. Ela aceitou.
Feidípedes não foi tão feliz. Morreu logo após o enlace nupcial.
À minha deusa Maratona, meus respeitos, minha devoção, meu amor eterno.